Ao proclamar Jubileu, Francisco imagina uma Igreja não julgadora, nem condenadora!
Ao proclamar oficialmente o próximo ano do Jubileu da Misericórdia, o Papa Francisco convidou poderosamente toda a Igreja Católica a se remodelar como um lugar não de julgamento ou de condenação, mas de perdão e de amor misericordioso.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 11-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto ao IHU.
Escrevendo um extenso documento de convocação do ano, que começará no dia 8 de dezembro, o pontífice afirma que a "própria credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo".
"Talvez, demasiado tempo, nos tenhamos esquecido de apontar e viver o caminho da misericórdia", escreve Francisco no documento, divulgado nesse sábado à noite, com o título latino de Misericordiae vultus ("O rosto da Misericórdia").
"A tentação de pretender sempre e só a justiça fez esquecer que esta é apenas o primeiro passo, necessário e indispensável", continuou o papa.
"Chegou de novo, para a Igreja, o tempo de assumir o anúncio jubiloso do perdão", afirma.
"É o tempo de regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos", escreve o pontífice. "O perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança."
Francisco também observou que o dia 8 de dezembro marca o 50º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II e diz: "A Igreja sente a necessidade de manter vivo aquele acontecimento."
O documento de Francisco, lançado nesse sábado, durante um momento de oração na Basílica de São Pedro para a celebração do Domingo da Divina Misericórdia, proclama oficialmente o ano jubilar extraordinário que o pontífice anunciou pela primeira vez no mês passado.
O Jubileu, que é chamado de Ano Santo da Misericórdia, começará na festa católica da Imaculada Conceição deste ano. E terminará no dia 20 de novembro de 2016, o dia em que se celebrará, naquele ano, a festa de Cristo Rei.
Explicando as suas razões para convocar o Jubileu da Misericórdia com o documento de cerca de nove mil palavras nesse sábado, o pontífice identifica firmemente a misericórdia como a função central da Igreja e o aspecto-chave do ministério e da obra de Jesus.
Citando exaustivamente ensinamentos dos papas anteriores e histórias do Antigo e do Novo Testamentos, Francisco também diz que a misericórdia é um atributo-chave das ações de Deus para com os seres humanos e que o nosso próprio exercício do perdão vai determinar como finalmente seremos julgados.
Em uma seção, o papa cita a pergunta de Pedro no Evangelho de Mateus sobre quantas vezes é necessário perdoar, em que Jesus responde: "Eu não digo sete vezes, mas até setenta vezes sete".
"Essa parábola contém um ensinamento profundo para cada um de nós", afirma Francisco. "Jesus declara que a misericórdia não é apenas o agir do Pai, mas torna-se o critério para identificar quem são os seus verdadeiros filhos."
"Em suma, somos chamados a viver de misericórdia, porque, primeiro, foi usada misericórdia para conosco", continua. "O perdão das ofensas torna-se a expressão mais evidente do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de que não podemos prescindir."
Mais adiante no documento, o papa menciona que todo ano santo envolve um processo de peregrinação para as pessoas – seja na ida a Roma para celebrar o ano, seja na oração pessoal.
Depois, citando o Evangelho de Lucas, Francisco apresenta dois passos que todos precisam fazer nas suas próprias peregrinações.

"O Senhor nos diz, acima de tudo, para não julgar nem condenar", afirma o pontífice. "Se uma pessoa não quer incorrer no juízo de Deus, não pode tornar-se juiz do seu irmão."
"As pessoas, no seu juízo, limitam-se a ler a superfície, enquanto o Pai vê o íntimo", escreve Francisco.
Um ano jubilar é um ano especial convocado pela Igreja para receber a bênção e o perdão de Deus e a remissão dos pecados. A Igreja Católica convocou anos jubilares a cada 25 ou 50 anos desde o ano de 1300 e também convocou anos jubilares especiais de tempos em tempos, conhecidos como anos jubilares extraordinários.
O papa começa o documento desse sábado explicando o processo do Ano Santo, dizendo que, no dia 8 de dezembro, ele vai abrir a Porta Santa especial da Basílica de São Pedro para marcar o início do Jubileu.
Francisco afirma esperar que, com a sua abertura, a porta "será, então, Porta da Misericórdia, onde qualquer pessoa que entre poderá experimentar o amor de Deus que consola, perdoa e dá esperança."
Para enfatizar que o ano especial não é apenas para aqueles que poderão ir até Roma, o pontífice disse que vai pedir que todas as dioceses identifiquem uma "Porta da Misericórdia" semelhante em uma catedral ou em outra Igreja especial a ser aberta durante o ano.
"Cada Igreja particular estará diretamente envolvida na vivência desse Ano Santo como um momento extraordinário de graça e renovação espiritual", escreve o papa.
Francisco observa que o Ano Santo começará no 50º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II.
"Com o Concílio, começava para a Igreja um percurso novo da sua história", escreve Francisco. "Os Padres conciliares, reunidos no Concílio, tinham sentido forte, como um verdadeiro sopro do Espírito, a exigência de falar de Deus aos homens do seu tempo de modo mais compreensível."
"Derrubadas as muralhas que, por demasiado tempo, tinham encerrado a Igreja numa cidadela privilegiada, chegara o tempo de anunciar o Evangelho de maneira nova", continua. "Foi uma nova etapa na evangelização de sempre."
Dentre outras iniciativas especiais para o Ano Santo, Francisco também anunciou nesse sábado que, durante o tempo da Quaresma de 2016, ele vai pedir que alguns padres atuem como "Missionários da Misericórdia" especiais.
O pontífice diz que vai pedir que esses sacerdotes vão pelo mundo para ouvir confissões e que ele vai lhes conceder "autoridade de perdoar mesmo os pecados reservados à Sé Apostólica."
Com essa autoridade, diz o papa, os padres serão "sinal vivo de como o Pai acolhe a todos aqueles que andam à procura do seu perdão".
"Peço aos irmãos bispos que convidem e acolham esses Missionários, para que sejam, acima de tudo, pregadores convincentes da misericórdia", escreve Francisco.
O pontífice também diz que ele está dando ao Ano Santo um lema tirado do Evangelho de Lucas: "Misericordiosos como o Pai".
"A justiça de Deus é a Sua misericórdia"
Francisco passa cerca de duas páginas do documento abordando a relação entre misericórdia e justiça, que ele diz, "não são dois aspectos em contraste entre si, mas duas dimensões duma única realidade que se desenvolve gradualmente até atingir o seu clímax na plenitude do amor".
Mencionando o uso frequente da Bíblia da imagem de Deus como um juiz, Francisco diz que, em muitas passagens, "é entendida como a observância integral da Lei e o comportamento de todo o bom judeu conforme aos mandamentos dados por Deus".
Mas ele continua: "Esta visão, porém, levou não poucas vezes a cair no legalismo, mistificando o sentido original e obscurecendo o valor profundo que a justiça possui".
"Para superar a perspectiva legalista, seria preciso lembrar que, na Sagrada Escritura, a justiça é concebida essencialmente como um abandonar-se confiante à vontade de Deus", escreve o papa.
Citando a resposta aos fariseus no Evangelho de Mateus – "Ide aprender o que significa: prefiro a misericórdia ao sacrifício" –, Francisco diz: "Jesus procura mostrar o grande dom da misericórdia que busca os pecadores para lhes oferecer o perdão e a salvação".
"Compreende-se que Jesus, por causa dessa sua visão tão libertadora e fonte de renovação, tenha sido rejeitado pelos fariseus e os doutores da lei", continua. "Estes, para ser fiéis à lei, limitavam-se a colocar pesos sobre os ombros das pessoas, anulando porém a misericórdia do Pai."
Meditando em seguida sobre a carta de Paulo aos Filipenses, Francisco afirma que "a sua compreensão da justiça muda radicalmente: Paulo agora põe no primeiro lugar a fé, e já não a lei".
"Não é a observância da lei que salva, mas a fé em Jesus Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, traz a salvação com a misericórdia que justifica", escreve o papa.
"A justiça de Deus torna-se agora a libertação para quantos estão oprimidos pela escravidão do pecado e todas as suas consequências", continua. "A justiça de Deus é o seu perdão."
Continuando sobre esse tema, explorando as palavras do profeta Oseias, Francisco afirma: "Se Deus Se detivesse na justiça, deixaria de ser Deus; seria como todos os homens que clamam pelo respeito da lei".
"A justiça por si só não é suficiente", escreve ele. "A experiência mostra que, limitando-se a apelar para ela, corre-se o risco de a destruir. Por isso Deus, com a misericórdia e o perdão, passa além da justiça."
Jesus: "Nada além de amor"
No início do documento, Francisco se foca no ministério de Jesus durante a sua vida terrena como sinal da centralidade da misericórdia na fé cristã.

"A misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, mas uma realidade concreta, pela qual Ele revela o seu amor como o de um pai e de uma mãe que se comovem pelo próprio filho até ao mais íntimo das suas entranhas", afirma o papa.
"É verdadeiramente o caso de dizer que é um amor 'visceral'", diz. "Provém do íntimo como um sentimento profundo, natural, feito de ternura e compaixão, de indulgência e perdão."
Francisco menciona como o relato do Evangelho de Mateus sobre a paixão de Jesus afirma que, antes da sua morte, Jesus cantou um hino que pode ter sido o Salmo 136: "Eterna é a sua misericórdia."
"Enquanto instituía a Eucaristia, como memorial perpétuo d’Ele e da sua Páscoa, Jesus colocava simbolicamente este ato supremo da Revelação sob a luz da misericórdia", escreve Francisco.
"No mesmo horizonte da misericórdia, viveu Ele a sua paixão e morte, ciente do grande mistério de amor que se realizaria na cruz", continua.
"Saber que o próprio Jesus rezou com esse Salmo torna-o, para nós cristãos, ainda mais importante e compromete-nos a assumir o refrão na nossa oração de louvor diária: 'eterna é a sua misericórdia'."
A pessoa de Jesus, diz Francisco, "não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente".
"O seu relacionamento com as pessoas, que se aproximam d’Ele, manifesta algo de único e irrepetível", afirma o papa. "Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, as pessoas pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, decorrem sob o signo da misericórdia. Tudo n’Ele fala de misericórdia."
"N’Ele, nada há que seja desprovido de compaixão", diz.
Jesus, diz Francisco, também revela a natureza de Deus "como a de um Pai que nunca se dá por vencido enquanto não tiver dissolvido o pecado e superada a recusa com a compaixão e a misericórdia."
Mencionando a quinto bem-aventurança – "Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" –, o papa afirma que "é a bem-aventurança a que devemos nos inspirar, com particular empenho, neste Ano Santo".
Falando sobre como Deus age com os seres humanos, o papa diz que "a misericórdia é a palavra-chave para indicar o agir de Deus para conosco".
"A misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós", escreve Francisco. Ele sente-Se responsável, isto é, deseja o nosso bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos."
"E, em sintonia com isto, se deve orientar o amor misericordioso dos cristãos", continua ele. "Tal como ama o Pai, assim também amam os filhos. Tal como Ele é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os outros."
Aplicando esse atributo para o nível da Igreja, Francisco afirma: "A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia."
"Toda a sua ação pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia", escreve o papa.
"Abrindo os nossos corações"
O pontífice também pede que as pessoas vivam o Ano Santo ao "abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática".
"Quantas situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo atual!", exorta Francisco. "Quantas feridas gravadas na carne de muitos que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos!"
"Não nos deixemos cair na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói", continua.
"Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda!", exorta ele mais uma vez.
Francisco também diz que é o seu "desejo ardente" que, durante o Ano Jubilar, as pessoas reflitam sobre as obras corporais e espirituais de misericórdia, as ações e práticas cristãs atribuídas a diretriz de Jesus no Evangelho de Mateus sobre como os seus seguidores devem agir.
"Não podemos escapar às palavras do Senhor, com base nas quais seremos julgados: se demos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; se acolhemos o estrangeiro e vestimos quem está nu; se reservamos tempo para visitar quem está doente e preso", afirma Francisco.
Dimensão inter-religiosa
Francisco também se refere à prática do jubileu da misericórdia no judaísmo e no islamismo, dizendo: "A misericórdia possui uma valência que ultrapassa as fronteiras da Igreja."
O papa observa tanto que "as páginas do Antigo Testamento estão permeadas de misericórdia", quanto que os muçulmanos frequentemente se referem ao Criador como "Misericordioso e Clemente".
"Possa este Ano Jubilar, vivido na misericórdia, favorecer o encontro com estas religiões e com as outras nobres tradições religiosas", afirma Francisco.
"Que ele nos torne mais abertos ao diálogo, para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação", pede o papa.

Durante o momento de oração do sábado, Francisco simbolicamente entregou a bula aos quatro cardeais arciprestes das basílicas papais. Ele também deu uma cópia para o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, para a distribuição aos bispos de todo o mundo.
O documento é assinado por Francisco com o título de "bispo de Roma, Servo dos Servos de Deus" e tem uma invocação "a quantos lerem esta carta graça, misericórdia e paz".
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