PORQUE A BOCA FALA DO QUE LHE TRANSBORDA DO CORAÇÃO.(MT 12,34)

Mas se a compreensão literal das escrituras pode distribuir condenações é também a leitura da Bíblia que faz destacar as contradições do discurso moralizante. Afinal, quem defende a vida pode se opor a uma medida legal que busca coibir assassinatos cometidos por ódio? Pode o cristão julgar e apontar a palha nos olhos do irmão? (Mt 7,3) É possível servir ao Deus do amor quem traz consigo somente palavras de ódio? (Jo 4,20) Ou ainda dizer que a preservação de um modelo hierárquico e patriarcal de família pode se sobrepor ao livre arbítrio dos irmãos ou ao amor pelo próximo?
Visto superficialmente são apenas contradições e, justamente para não se perder nelas, é importante compreender o conceito de “VIDA” que a Bíblia traz já no seu primeiro livro, o Gênesis: “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente.” (Gn 2,7). Em uma leitura simples, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e, no ser criado a partir do pó, soprou a “VIDA”, o Criador deu valor Divino à sua criação. Somos todos feitos do barro a imagem e semelhança de Deus, não há hierarquia ou diferenciação entre seus filhos, e até mesmo a mancha do pecado é inerente a todo ser humano (com exceção de Jesus Cristo). E como todos possuímos o mesmo sopro do Criador, defender a vida e dizer não a qualquer violência que leve a morte, é preservar a imagem de Deus presente em cada um de nós.
Outra passagem importante para compreendemos os mistérios da “VIDA” está no Evangelho segundo Mateus, onde Jesus Cristo explica o valor inestimável da humanidade. Ele afirma nossa importância frente às coisas terrenas, dizendo que somos mais valiosos que os lírios do campo e as aves do céu, e pede para que, confiando em nossa filiação celeste, busquemos antes o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6,26-34). Mas qual seria a fórmula para alcançar o Reino de Deus e a justiça divina? Seria acaso o amor a mais justa medida? Creiamos piamente que sim, pois se pudéssemos sintetizar a vida e os ensinamentos de Jesus, chegaríamos a uma única palavra: “AMOR”! E o Amor não tem ódio, nem se ira, não julga, e busca sempre ajudar o seu próximo sem PRECONCEITOS, porque “temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus ame também a seu irmão” (1 Jo 4,21). Pois ainda como podemos dizer que amamos a Deus que nós não vemos, se não amamos o nosso próximo? Se alguém dizer que ama a Deus, e odeia o seu irmão, é mentiroso (1 Jo 4, 20).
Durante sua vida na Terra, Jesus sempre esteve junto de quem estava à margem de tudo, o seu convívio sempre foi com pessoas estigmatizadas, como a samaritana (Jo 4,7) e a prostituta (Lc 7,37). Sem se importar, Ele comia com publicanos e pecadores (Mt 9,11), e nunca se afastou dos pobres, doentes ou marginalizadas pela religião. O Messias preferiu edificar a sua Igreja sobre os pilares mais pobres e frágeis do que ficar ao lado dos perfeitos cumpridores das “Leis” de Deus. Sobre esses homens, tão preocupados com a justiça e ao mesmo tempo tão vazio de misericórdia, Jesus faz umas das suas condenações mais duras, chamando-os de Hipócritas (Mt 23,13).
Agora, convido você, que caminhou comigo nessa reflexão, a tentar responder uma pergunta simples e sem sensacionalismo: Hoje, com quem andaria Jesus? Ainda que a resposta pareça clara, vamos utilizar um método comparativo rápido para nos orientar. Há dois mil anos Jesus se voltava para os homens e mulheres condenados e excluídos pelos lideres religiosos e políticos, tal como a mulher adúltera (Jo 8). Hoje não é preciso pensar muito pra elencarmos inúmeros grupos com quem o Senhor estaria e seria solidário. Talvez ele não fosse aos templos, mas certamente estaria nos guetos. Por isso é tão decepcionante ouvir tantos líderes, auto proclamados cristão, mas que só conseguem falar em condenações, em leis, em guerras, dinheiro e tantas outras coisas terrenas quando o natural seria o anúncio da Boa Nova de que existe um Deus que é Amor e que está ao lado de quem sofre, de quem é desprezado, e do qual o “jugo é leve e o fardo suave” (Mt 11,29).
Mas com todas essas contradições e questionamentos explodindo dentro de nós, encontremos na leitura da Bíblia, a resposta que tanto procuramos: Não pode alguém falar daquilo que não conhece, não pode dividir a experiência do Deus Amor àquele que não sente sua presença viva, não pode uma má árvore dar bons frutos, nem a boca pode falar daquilo que não encontra no coração, pois a “boca fala do que lhe transborda o coração”. E agora quando escutamos ou lermos sobre “cristãos” cheios de amargura, ódio e condenações, saberemos que não falam do mesmo Deus que morreu na cruz por amor, do Deus que se revestiu da nossa humanidade e se entregou para salvar a todos. Tenhamos sempre cuidado com os falsos profetas para que, a despeito deles, nunca nos esqueçamos do verdadeiro mandamento que recebemos: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (Jo 13,34-35).
Por fim, se ainda muitos destes que protestam em nome de Deus para condenar e assim negar direitos utilizando o argumento de que estão se baseando na vontade da maioria, lembremo-nos de um grande jurista e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso que assim fala sobre Democracia e vontade da maioria:
“Se numa sala houver oito cristãos e dois muçulmanos, os oito cristãos não podem deliberar jogar os dois muçulmanos pela janela. Por quê? Porque a vida democrática não é feita só das maiorias políticas. A vida democrática também é feita da preservação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, inclusive das que integram as minorias”.[1]
Irmãos e irmãs enchamos nossos corações de amor, para sempre podemos anunciar a Jesus e assim cumprir nossa missão profética como filhos amados de Deus, forte abraço.
Loreano Goulart e Lucas Paiva
Grupo de Ação Pastoral da Diversidade São Paulo.
[1] Conversas Acadêmicas: Luís Roberto Barroso. Disponível em:<<http://www.osconstitucionalistas.com.br/conversas-academicas-luis-roberto-barroso-ii>>. Acesso em 01. Out. 2014.
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