PORQUE A BOCA FALA DO QUE LHE TRANSBORDA DO CORAÇÃO.(MT 12,34)

Às vésperas de uma eleição, os direitos da população LGBT ainda dividem eleitores e candidatos no Brasil. Embora o país seja laico, os brasileiros são majoritariamente um povo cristão e cada vez mais homens e mulheres ligados às igrejas, sobretudo evangélicas neopentecostais, vêm se candidatando a cargos representativos, obtendo razoável desempenho. Eles representam um segmento mais conservador da sociedade e habitualmente são opositores ferozes ao reconhecimento do casamento igualitário e da criminalização da homofobia. Esses candidatos religiosos justificam suas posições contrárias aos direitos dos homossexuais por conta de sua fé cristã. Segundo estes, seguir Jesus Cristo implica uma leitura acurada da Bíblia e justamente isso os impele à defesa da família tradicional (formada por um homem e uma mulher unidos em matrimônio com a finalidade da procriação), o que seria a única forma de proteger a continuidade e à vida humana.
Mas se a compreensão literal das escrituras pode distribuir condenações é também a leitura da Bíblia que faz destacar as contradições do discurso moralizante. Afinal, quem defende a vida pode se opor a uma medida legal que busca coibir assassinatos cometidos por ódio? Pode o cristão julgar e apontar a palha nos olhos do irmão? (Mt 7,3) É possível servir ao Deus do amor quem traz consigo somente palavras de ódio? (Jo 4,20) Ou ainda dizer que a preservação de um modelo hierárquico e patriarcal de família pode se sobrepor ao livre arbítrio dos irmãos ou ao amor pelo próximo?
Visto superficialmente são apenas contradições e, justamente para não se perder nelas, é importante compreender o conceito de “VIDA” que a Bíblia traz já no seu primeiro livro, o Gênesis: “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente.” (Gn 2,7). Em uma leitura simples, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e, no ser criado a partir do pó, soprou a “VIDA”, o Criador deu valor Divino à sua criação. Somos todos feitos do barro a imagem e semelhança de Deus, não há hierarquia ou diferenciação entre seus filhos, e até mesmo a mancha do pecado é inerente a todo ser humano (com exceção de Jesus Cristo). E como todos possuímos o mesmo sopro do Criador, defender a vida e dizer não a qualquer violência que leve a morte, é preservar a imagem de Deus presente em cada um de nós.
Outra passagem importante para compreendemos os mistérios da “VIDA” está no Evangelho segundo Mateus, onde Jesus Cristo explica o valor inestimável da humanidade. Ele afirma nossa importância frente às coisas terrenas, dizendo que somos mais valiosos que os lírios do campo e as aves do céu, e pede para que, confiando em nossa filiação celeste, busquemos antes o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6,26-34). Mas qual seria a fórmula para alcançar o Reino de Deus e a justiça divina? Seria acaso o amor a mais justa medida? Creiamos piamente que sim, pois se pudéssemos sintetizar a vida e os ensinamentos de Jesus, chegaríamos a uma única palavra:  “AMOR”! E o Amor não tem ódio, nem se ira, não julga, e busca sempre ajudar o seu próximo sem PRECONCEITOS, porque “temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus ame também a seu irmão” (1 Jo 4,21). Pois ainda como podemos dizer que amamos a Deus que nós não vemos, se não amamos o nosso próximo? Se alguém dizer que ama a Deus, e odeia o seu irmão, é mentiroso (1 Jo 4, 20).
Durante sua vida na Terra, Jesus sempre esteve junto de quem estava à margem de tudo, o seu convívio sempre foi com pessoas estigmatizadas, como a samaritana (Jo 4,7) e a prostituta (Lc 7,37). Sem se importar, Ele comia com publicanos e pecadores (Mt 9,11), e nunca se afastou dos pobres, doentes ou marginalizadas pela religião. O Messias preferiu edificar a sua Igreja sobre os pilares mais pobres e frágeis do que ficar ao lado dos perfeitos cumpridores das “Leis” de Deus. Sobre esses homens, tão preocupados com a justiça e ao mesmo tempo tão vazio de misericórdia, Jesus faz umas das suas condenações mais duras, chamando-os de Hipócritas (Mt 23,13).
Agora, convido você, que caminhou comigo nessa reflexão, a tentar responder uma pergunta simples e sem sensacionalismo: Hoje, com quem andaria Jesus? Ainda que a resposta pareça clara, vamos utilizar um método comparativo rápido para nos orientar. Há dois mil anos Jesus se voltava para os homens e mulheres condenados e excluídos pelos lideres religiosos e políticos, tal como a mulher adúltera (Jo 8). Hoje não é preciso pensar muito pra elencarmos inúmeros grupos com quem o Senhor estaria e seria solidário. Talvez ele não fosse aos templos, mas certamente estaria nos guetos. Por isso é tão  decepcionante ouvir tantos líderes, auto proclamados cristão, mas que só conseguem falar em condenações, em leis, em guerras, dinheiro e tantas outras coisas terrenas quando o natural seria o anúncio da Boa Nova de que existe um Deus que é Amor e que está ao lado de quem sofre, de quem é desprezado, e do qual o “jugo é leve e o fardo suave” (Mt 11,29).

Mas com todas essas contradições e questionamentos explodindo dentro de nós, encontremos na leitura da Bíblia, a resposta que tanto procuramos: Não pode alguém falar daquilo que não conhece, não pode dividir a experiência do Deus Amor àquele que não sente sua presença viva, não pode uma má árvore dar bons frutos, nem a boca pode falar daquilo que não encontra no coração, pois a “boca fala do que lhe transborda o coração”. E agora quando escutamos ou lermos sobre “cristãos” cheios de amargura, ódio e condenações, saberemos que não falam do mesmo Deus que morreu na cruz por amor, do Deus que se revestiu da nossa humanidade e se entregou para salvar a todos. Tenhamos sempre cuidado com os falsos profetas para que, a despeito deles, nunca nos esqueçamos do verdadeiro mandamento que recebemos: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (Jo 13,34-35).
Por fim, se ainda muitos destes que protestam em nome de Deus para condenar e assim negar direitos utilizando o argumento de que estão se baseando na vontade da maioria, lembremo-nos de um grande jurista e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso que assim fala sobre Democracia e vontade da maioria:
“Se numa sala houver oito cristãos e dois muçulmanos, os oito cristãos não podem deliberar jogar os dois muçulmanos pela janela. Por quê? Porque a vida democrática não é feita só das maiorias políticas. A vida democrática também é feita da preservação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, inclusive das que integram as minorias”.[1]
Irmãos e irmãs enchamos nossos corações de amor, para sempre podemos anunciar a Jesus e assim cumprir nossa missão profética como filhos amados de Deus, forte abraço.
Loreano Goulart e Lucas Paiva
Grupo de Ação Pastoral da Diversidade São Paulo.
[1] Conversas Acadêmicas: Luís Roberto Barroso. Disponível em:<<http://www.osconstitucionalistas.com.br/conversas-academicas-luis-roberto-barroso-ii>>. Acesso em 01. Out. 2014.

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