O ARCO-ÍRIS DE BELÉM

SOBRE O NATAL, AS FAMÍLIAS E O AMOR



Quem usa o Twitter ativamente já deve ter visto uma das imagens mais virais desse fim de 2020. Com quase 100 mil reações, entre curtidas e compartilhamentos, uma foto mostra a primeira árvore de natal, decorada com bolinhas coloridas e uma estrela no topo, da família formada por Hudson Alexandre e seu namorado Hiwry Constantino. O casal de vinte e poucos anos, comemora a mudança para uma casa nova com os tradicionais enfeites natalinos e planos para a ceia em família.

Alguns empedernidos certamente torceram o nariz, argumentando pela enésima vez que os meninos não são um família. Mas essa gente, que geralmente também crê em terra plana e chama fascista de mito, pode continuar protestando raivosamente no seu canto, porque a realidade e a composição das famílias brasileiras está se tornando cada vez mais plural. Desde 2010, data do último Censo, já vimos claramente que o dito modelo tradicional correspondia a apenas 49% dos nossos lares, ou seja, a maioria das famílias no Brasil possui formatos muito diversificados, que englobam tanto os casais homossexuais iguais ao Hudson e Hiwry, como também pais ou mães solo, avós criando netos, irmãos vivendo juntos, os novos trisais, dentre outras inúmeras possibilidades. 

Portanto, a predominância da “família tradicional”, aquela formada por homem + mulher + filhos, é apenas uma ficção produzida e repetida ostensivamente por aqueles que buscam ganhar dividendos econômicos e eleitorais entre os adeptos dos discursos de ódio. Essa imagem limitada não é mais que uma peça publicitária manjada do tipo margarina, que frente a emergência dos novos arranjos familiares, evidencia ainda mais sua falta de criatividade. 

São mudanças tão significativas no tecido social brasileiro, que nos permitem falar de família não a partir de conceitos biológicos, como querem os fundamentalistas, mas sim a partir do afeto e do amor, tal qual ensinava o cara cujo aniversário celebramos todo 25 de dezembro. Inclusive, umas das frases mais conhecidas sobre “Amor” é de Paulo, um seguidor dedicado de Jesus, que dizia: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, eu nada serei”. A citação presente originalmente numa das cartas do Novo Testamento, e incluída nos anos 90 na letra de Monte Castelo, poderia ser uma pedra no sapato de quem usa a bíblia como arma na batalha contra a liberdade dos indivíduos de viverem livremente seus afetos. Mas por aqui nossas igrejas não são lá bons exemplos de coerência.

Mesmo num ano de grande inquietação social e aridez espiritual, enquanto o país conta aos milhares os seus mortos pela Covid-19, a parcela da sociedade que faz arminha com uma mão enquanto segura a bíblia com a outra segue engajada numa luta custosa e perniciosa em defesa da exclusividade da família heterossexual, monogâmica e cisgênera. Uma luta que denuncia a insegurança daqueles que só sabem pensar dentro de limites muito estreitos, e alimenta o desejo de restringir pela força as manifestações do afeto, na esperança de que a dominação dos nossos desejos seja também o caminho para dominação das nossas mentes. Mas felizmente esta é uma luta perdida para eles. Nós humanos somos seres da cultura, feitos de carne, mas também de sonhos e sentimentos. Justamente por isso não há possibilidade de que o preconceito e a força limitem interminavelmente as nossas realidades afetivas a partir das definições morais-legalistas da vez. 

Quanto ao Natal, para mim ele acontece toda vez que um grupo improvável de pessoas se reúne para celebrar a vida que surge e resiste em meio à escuridão. Também é assim com muitas famílias, as vezes elas também são formas improváveis do encontro de pessoas que, reunidas pelo Amor, superam suas dúvidas e diferenças. Em algumas delas os laços de consanguinidade e a reprodução biológica estão presentes, mas em outras não, assim como foi na família de Jesus. E está tudo bem, porque seja como for sua família, desejamos que ela seja sempre cheia de amor.

Tenham todes um Feliz Natal!





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