LGBTs E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2020

Em breve teremos, em todo o Brasil, o processo eleitoral para a escolha ao cargo de Prefeito/a e de Vereadores/as. Diante da complicada situação que estamos vivendo este ano, em função da pandemia do novo coronavirus, esta eleição terá importância ainda maior. Ela apontará, com base na vontade popular expressa nas urnas, os rumos que cada município pretende tomar para enfrentar este momento de crise econômica, social, política e até mesmo psicológica. Afinal, vale lembrar que a necessidade de ficar em casa tem mexido com a cabeça de muita gente.

Brasil tem recorde de pré-candidaturas LGBTs para as Eleições 2020Há algumas semanas, Frei Betto postou uma reflexão em que dizia que sairíamos desta pandemia com as posições reafirmadas: quem tem uma propensão à generosidade, a se importar com o sofrimento das demais pessoas, a buscar ser cada dia um pouco melhor diante de si mesmo e de Deus, chegará ao fim da quarentena com estes valores mais intensificados. Por outro lado, aqueles que não conseguem deixar de olhar pro próprio umbigo e que inclusive acham que ajudar os pobres e marginalizados só os deixa acomodados, que não estão nem aí para o sofrimento alheio, que estão fechados em suas verdades e muitas vezes até fazendo pouco caso do isolamento social... bem, esses parece que sairão com o coração ainda mais endurecido.

Nos momentos de adversidade da vida, somos levados a confrontar nossos valores, tanto os que nos foram passados quanto os que construímos. Diante da dificuldade quase sempre a lógica rotineira não fornece respostas, nem mesmo respostas prontas, como uma receita de bolo. Estamos diante de algo inesperado, que nunca desejaríamos viver. Surge uma pandemia com ela a rotina do “novo normal”, momento em que nossos valores precisam buscar respostas quando a “cartilha da vida” já não resolve mais. São nossas manifestações e ações – ou a ausência delas – que constroem nosso legado no mundo. Para quem têm posições inflexíveis e nenhuma vontade de aprender e evoluir, as crises são um impulso ao egoísmo, a ver apenas os próprios interesses, mesmo que isso afete diretamente outras pessoas, conhecidas ou não. Mas há os que acreditam que as tempestades produzem bons marinheiros, isto é, nos momentos difíceis, em meio ao sofrimento e a dor, é que aparecem oportunidades de sermos melhores e ir além.

E para nós, LGBTs, quais são as perspectivas? Em primeiro lugar, foi bonito ver muita gente de nossa comunidade se mobilizando para ajudar os demais, por exemplo, fazendo compras para vizinhos idosos para evitar que saíssem às ruas. Ou colaborando com ações de solidariedade, como no caso da distribuição de marmitas a moradores de rua, doação de dinheiro ou alimentos para famílias passando necessidade, conversando com amigos mais afetados pela solidão involuntária... É claro que deve ter havido muitos que não moveram uma palha, dizendo que o problema não era seu e que cada um que se virasse por si próprio.

Para nós, cristãos, que acreditamos que Jesus é o Filho de Deus que veio ao mundo para nos reconciliar com o Amor de Deus, está a instrução claríssima: tudo o que fizermos aos mais pequeninos, estamos fazendo ao próprio Cristo. Na hora do ajuste de contas, não interessa quantos terços você rezou, quantas missas você assistiu, quantas vezes comungou... isso tudo de nada terá valido e não tivermos visto o rosto de Deus na pessoa de cada um de nossos irmãos mais necessitados. Por isso, quem não fez nada neste período de quarentena, perdeu uma oportunidade de ouro de compreender melhor essas palavras de Jesus.

Mas o que isso tudo tem a ver com as eleições? Bom, elas são um momento privilegiado para transformar o mandamento de Jesus (que em resumo significa amar ao próximo com gestos concretos de atenção e cuidado) em política pública. Como assim? Trata-se de, como comunidade, olharmos para a nossa cidade e ver quem, nela, enfrenta as maiores dificuldades. E alocarmos recursos, pessoas, programas sociais para dar dignidade a esses grupos sociais marginalizados. Não como esmola, mas como possibilidade de dar a todos a dignidade humana que cada um e cada uma merece e precisa.

Sim, é verdade que, enquanto LGBTs sofremos vários tipos de agressão e discriminação, primeiramente verbal, mas muitas vezes física também. Amar e cuidar de LGBTs em situação de vulnerabilidade também se encaixa perfeitamente naquilo que Jesus pede de nós como pessoas e como sociedade. Então a eleição é o momento de reivindicarmos políticas específicas para o atendimento de pessoas LGBT que muitas vezes não puderam terminar os estudos, foram expulsas de casa, não conseguem um emprego digno, não tem acompanhamento médico necessário na sua transição de gênero, enfrentam medos e angústias (principalmente quando adolescentes), estão abandonadas à própria sorte (quando idosas).

Isso significa que temos que votar em alguém assumidamente LGBT? Não necessariamente! É claro que sendo da comunidade, possivelmente terá mais sensibilidade para estas questões, mas a verdade é que precisamos eleger candidatas e candidatos que pensem e se preocupem com a cidade como um todo, inclusive o segmento LGBT. E há muitas pessoas hetero que denunciam o preconceito e descaso conosco. Por isso, acima de tudo, o que realmente importa é elegermos pessoas que tenham uma visão generosa, que não exclua ninguém, que não seja moralista defendendo um modelo de família que não é a realidade de boa parte da população, que só se preocupe com melhorias para os bairros que já tem toda a infraestrutura necessária. É hora de, como sociedade, fazermos um pacto para melhorar a vida de todas e todos, independente de sua raça ou cor, de seu sexo, de sua identidade de gênero, de sua orientação sexual, de ser jovem ou idoso, de ser deficiente, entre tantas outros traços que definem nosso ser no mundo.

E mesmos para quem não é LGBT, as eleições são o momento de termos empatia e deixar de pensar apenas em nós mesmos, buscando votar em pessoas que compartilham nossos valores e visem o bem comum, sem excluir ninguém. Votar também é uma forma de deixar um legado, daí nosso dever de pesquisar a biografia e conhecer as propostas daqueles e daquelas que realmente atuam em prol do povo, priorizando os mais vulneráveis, pois são os que mais precisam de cuidado, apoio e incentivo para uma vida melhor.

Vamos então buscar conhecer os candidatos e candidatas, saber o que realmente pensam, o que já fizeram e o que pretendem fazer se forem eleitos. E, uma vez empossados, que a gente continue cobrando deles e delas o que prometeram na campanha.


Lula Ramires e Loreano Goulart

(GAPD/SP Grupo de Ação Pastoral da Diversidade de São Paulo)

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