Plano de Deus e os homossexuais




Um bispo irlandês declarou recentemente que os homossexuais não são contemplados pela vontade de Deus ou não fazem parte do plano divino (“what God intended”). Ele precisava que se tratava da mesma situação que no caso das crianças que nascem trissômicas. Passamos da assimilação da homossexualidade a uma doença, inclusive uma deficiência.

A questão teológica é outra. É sempre perigoso determinar a priori qual é o propósito divino, porque isso supõe o conhecimento do que é um ser (uma pessoa humana, por exemplo) “acabado”. Para se limitar aos fenômenos “naturais”, onde a ação humana não intervém: quer Deus as catástrofes, as doenças, as epidemias? Estão os males sofridos a serviço de um bem maior? A questão é antiga e nunca foi solucionada.

Tudo o que podemos dizer é que o plano divino não é o nosso plano. Acontece também que situações a priori desejáveis comprovam-se de outra maneira a posteriori. No centro da mensagem bíblica há uma inversão: o que parece fraco, Deus o torna forte. Os relatos da Escritura estão cheios dessas situações paradoxais.

Quando evocamos o Sínodo sobre a Família, bastará que nos recordemos das peripécias familiares que o Antigo Testamento nos conta em longas páginas. Onde estão as famílias “ideais”? Davi toma a mulher de um dos seus oficiais e desta união adúltera nascerá mais tarde o grande rei Salomão, modelo de sabedoria...

É normal fazer do mundo e da humanidade uma imagem ideal. É legítimo desejar algumas coisas e não outras. É “natural” pensar que o homem “acabado” possui esta ou aquela qualidade, física, intelectual, estética, etc. O que não corresponde a esse cânon é visto como “deficiente” (que era o caso de Aristóteles, que considerava a mulher como “algo defeituoso e acidental”...).

Mais do que perguntar sobre as intenções divinas, seu plano ou seu propósito, nós deveríamos nos perguntar sobre as nossas próprias intenções e perceber o abismo entre o que nós aspiramos e o que efetivamente alcançamos. Sobre como os nossos planos foram frustrados, às vezes para melhor. É nessas surpresas, e não na aplicação de normas, que podemos vislumbrar o plano divino sobre o mundo.


A análise é de François Euvé, jesuíta, diretor da revista Études, e publicada no seu blog Terre Nouvelle, 25-07-2015. A tradução é de André Langer, publicada no IHU.

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